MOBILIDADE URBANA
Especialistas alertam para riscos de desequilíbrio urbano no projeto do BRT de Maceió
Plano Diretor de Maceió, em vigor desde 2005, está desatualizado há quase duas décadas
O Plano Diretor de Maceió, em vigor desde 2005, está desatualizado há quase duas décadas. Embora o processo de revisão tenha sido iniciado, o novo texto ainda não foi concluído. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Maceió (Iplan), a minuta do documento está em fase final de ajustes e deve ser encaminhada à Câmara Municipal até o fim do primeiro semestre.
O plano é o principal instrumento de planejamento urbano do município. Ele estabelece diretrizes para temas como uso do solo, habitação, saneamento, meio ambiente, mobilidade urbana, desenvolvimento econômico e gestão do território. A proposta de atualização inclui novas estratégias para o desenvolvimento da cidade, com foco em adensamento urbano, reorganização da paisagem, preservação ambiental e melhoria da mobilidade.
A Prefeitura informa que o texto considera questões atuais como mudanças climáticas, riscos geológicos, requalificação de áreas degradadas e os impactos do afundamento do solo em diversos bairros de Maceió.
Entre os projetos de mobilidade incluídos no planejamento está a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit). O investimento previsto é de R$ 2 bilhões, com 28 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus nas avenidas Lourival de Melo Mota, Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima.
O modelo prevê nove linhas troncais com saídas dos terminais localizados nos bairros Eustáquio Gomes, Benedito Bentes, Clima Bom e Chã da Jaqueira, além de 63 linhas alimentadoras que devem atender às demais regiões da cidade. A estimativa é que o trajeto entre o Terminal do Eustáquio Gomes e a Praça do Centenário, no bairro do Farol, e a ser feito em cerca de 30 minutos — tempo inferior à média atual de 1h30, registrada nos horários de pico.
A arquiteta, urbanista e fundadora do Instituto para o Desenvolvimento das Alagoas, Isadora Padilha, apresenta uma análise sobre os possíveis impactos da implementação do sistema BRT na estrutura urbana de Maceió.
EXTRA ALAGOAS - Como a senhora avalia os impactos da falta de atualização do Plano Diretor de Maceió, que está há duas décadas sem revisão, sobre o desenvolvimento urbano da cidade?
ISADORA PADILHA - É algo desastroso para Maceió. Basta dizer que o plano vigente é anterior ao Caso Braskem e que, hoje, esse é o instrumento legal que vai determinar o que será feito com a área dos bairros afetados pela mineração predatória na cidade. Ou seja, esse instrumento é mais que urgente, precisa ser revisado e atender aos interesses da população de Maceió.
EA - A implantação do BRT na Avenida Fernandes Lima, um corredor viário já saturado, é considerada viável sob a perspectiva técnica e urbanística? Quais seriam os riscos dessa decisão?
IP - A mobilidade na cidade, especialmente após o Caso Braskem, precisa ser analisada de forma integrada, e o projeto de um BRT na Fernandes Lima não representa isso. Onde está a proposta de conexão desse modal com o VLT, por exemplo? Com o plano de arborização, transporte não motorizado, caminhabilidade?
EA - Por que medidas de mobilidade urbana em Maceió tendem a ser paliativas, em vez de estruturais? O que impede a implementação de soluções de longo prazo?
IP - Um dos problemas é exatamente a ausência de uma proposta de visão de cidade. O descaso com o Plano Diretor evidencia isso de forma clara.
EA - Há um clamor por alternativas inteligentes e integradas de transporte. Que modelos de sucesso em outras cidades poderiam inspirar um redesenho eficaz da mobilidade em Maceió?
IP - Maceió já possui um exemplo que deveria ser mais valorizado: foi pioneira em implantar o VLT, que está subutilizado e poderia se tornar um veículo de transporte de massa relevante na cidade. Mas iniciativas como planos de mobilidade, e Maceió é uma das poucas capitais que não possui, planos cicloviários, anéis cicloviários e ferroviários, integração intermodal e instalação de ruas completas fariam grande diferença.
EA - Qual o papel da mobilidade urbana no combate à desigualdade social em uma capital como Maceió?
IP - É um papel central, conectando as áreas periféricas, as moradias da população mais pobre, às áreas de trabalho, por exemplo, nos deslocamentos pendulares. Também contribui para maior segurança no transporte.
EA - O que seria, na sua opinião, uma solução realmente impactante para melhorar a fluidez do tráfego e a ibilidade urbana em Maceió?
IP - O anel ferroviário proposto há anos, envolvendo o VLT e conectando Centro, periferia, aeroporto, Satuba e Rio Largo, é uma excelente alternativa. Trata-se de um projeto estratégico para Maceió, assim como o eixo do Vale do Reginaldo e a destinação das áreas dos bairros afetados pela Braskem para usufruto público.
EA - Quais os primeiros os concretos que a cidade deveria dar para iniciar um processo real de reestruturação da mobilidade urbana, com foco em sustentabilidade e qualidade de vida?
IP - Revisar o Plano Diretor, elaborar o Plano de Mobilidade, destinar a área dos bairros afetados para usufruto público e implantar os projetos estratégicos de interligação norte-sul, ou seja, o anel ferroviário metropolitano e o eixo do Vale do Reginaldo.
"BRT não se resume a faixas exclusivas”, diz urbanista
Renan Silva, urbanista e doutor em mobilidade urbana (Ufal) e da entidade Sociedade Movimento, esclarece que o BRT não se resume a faixas exclusivas, mas sim a pistas fisicamente separadas, com nivelamento entre estações e veículos, além de pagamento antecipado da tarifa. Segundo ele, isso melhora o desempenho e reduz o tempo de embarque.
EXTRA ALAGOAS - O novo sistema de BRT em Maceió prevê faixas exclusivas ao longo de 14 km nas avenidas Lourival de Melo Mota, Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima. Do ponto de vista urbanístico, essas vias comportam essa transformação sem comprometer ainda mais a mobilidade local?
RENAN SILVA - Importante pontuar que o BRT não é composto de “faixas exclusivas”, mas de pista exclusiva. É um espaço separado fisicamente dos outros deslocamentos. Além de outros dois pontos fundamentais: nivelamento entre estações e ônibus e pagamento antecipado da tarifa. Melhorar o transporte coletivo é crucial e urgente: beneficia toda a população, use ou não o sistema hoje. Cidades com mobilidade eficiente se apoiam em transporte público forte e modos não motorizados. A chave é uma rede integrada que ofereça opções variadas e de qualidade às pessoas.
EA - A promessa de intervalo médio de 5 minutos entre viagens pode de fato melhorar a fluidez do transporte coletivo em Maceió? Como isso dialoga com a realidade atual da infraestrutura e da demanda da cidade?
RS - O intervalo de 5 minutos é um fator qualificador da mobilidade em Maceió, mas ele depende de uma série de fatores: engenharia de tráfego e tecnologia de operação, coordenação entre frotas troncais e alimentadoras e redução de conflitos em interseções etc. Caso contrário, corre-se o risco de ser mais um número de marketing que não se reflete na experiência de quem espera no ponto.
EA - O Terminal do Eustáquio Gomes foi escolhido como ponto de partida para várias rotas. Urbanisticamente, essa centralização é adequada ou pode gerar gargalos e desequilíbrios em outras áreas da cidade?
RS - Centralizar a operação no Terminal Eustáquio Gomes faz sentido porque a maior massa de ageiros vem da parte alta e o local comporta um equipamento deste porte. Por outro lado, depender de um único hub cria riscos: qualquer falha ali afeta toda a rede e pode gerar engarrafamentos no entorno e baldeações extras para quem mora fora do eixo principal.
Urbanisticamente, o ideal seria espalhar a carga operacional em ao menos dois ou três terminais-âncora e sincronizar essa escolha com um Plano de Mobilidade que Maceió ainda não possui e um Plano Diretor defasado há uma década (bússolas jurídicas cruciais na orientação de prioridades territoriais). Sem esse lastro estratégico, corremos o risco de montar um sistema rápido na teoria, mas desequilibrado na prática, capaz de resolver o problema de quem a pelo corredor, mas de criar novos vazios e gargalos nos bairros que ficam fora dele.
Grandes BRTs latino-americanos, como os de Curitiba e Bogotá, funcionam porque combinam múltiplos terminais distribuídos, evitando que todo fluxo dependa de um só polo. Urbanisticamente, também é interessante o espalhamento de centralidades: colocar comércio, serviços públicos e moradia perto de estações intermediárias para equilibrar viagens e ativar o solo urbano ao longo do corredor.
EA - Com investimento previsto de mais de R\$ 2 bilhões, como o senhor avalia a prioridade desse projeto frente a outras carências estruturais de mobilidade urbana em Maceió, como integração modal e caminhabilidade?
RS - Se olharmos para o número bruto, de R\$ 2 bilhões por 15 km, ele assusta: dá cerca de R$ 133 milhões por quilômetro, o que é bem mais alto do que BRTs mais caros implantados no Brasil, como o de Salvador, que é em torno de R$ 60 milhões/km.
Porém, para uma análise mais criteriosa é preciso conhecer como esse valor se distribui. Se envolve compra de veículos novos, obras estruturantes no corredor (drenagem, transmissão de energia, pavimentação, viadutos etc.), desapropriações, estações e urbanização. É preciso, portanto, uma planilha de custos aberta.
O BRT pode ser peça importante, mas ele não fecha o quebra-cabeça sozinho. Se o ageiro tiver que trocar de veículo pagando outra tarifa ou caminhar em calçadas ruins, o corredor vira pista rápida para poucos. Precisamos de bilhete único, bicicletários, terminais de bairro, integração metropolitana e outros elementos que qualificam o BRT como integrante de um sistema de mobilidade.
Nenhum BRT é inclusivo se o usuário chega à estação por calçadas esburacadas, sem sombra ou ibilidade. Reservar parte do orçamento, ou garantir fonte paralela, para requalificar calçadas, travessias e iluminação no entorno das estações é tão estratégico quanto comprar ônibus novos.
Prefeitura afirma que projeto tem respaldo técnico
Com a implantação do BRT Maceió, a faixa exclusiva de transporte será deslocada da extrema direita para a faixa da esquerda, sem comprometer as faixas destinadas aos veículos individuais. O embarque e desembarque ocorrerão em nível com a estação, garantindo maior ibilidade.
Essa medida visa otimizar a velocidade operacional dos ônibus, reduzir significativamente o tempo de viagem e contribuir para a fluidez do tráfego. Trata-se de um investimento estruturante em mobilidade urbana sustentável, que prioriza o transporte público como eixo central dos deslocamentos diários.
O BRT Maceió foi concebido com previsão de integração tarifária com outros modais de transporte, promovendo um sistema mais eficiente e ível para os usuários.
O projeto contempla ainda infraestrutura de apoio ao uso de bicicletas, com bicicletários nas estações e terminais, além de favorecer a convivência com modais ativos, como a caminhada — contribuindo para uma mobilidade urbana mais integrada e sustentável.
O Terminal Central Eustáquio Gomes sediará a istração do BRT e está dimensionado para atender à demanda prevista com segurança e eficiência.
O sistema contará com 23 estações distribuídas ao longo do percurso, cobrindo bairros estratégicos. Haverá ainda dois novos terminais de integração, situados no Prado e em Cruz das Almas, além da ampliação do Terminal de Integração do Benedito Bentes — já consolidado no sistema — garantindo melhor distribuição da demanda e maior equilíbrio operacional.
A revitalização do entorno das estações do BRT integra o escopo do projeto. Estão previstas melhorias nas calçadas, ampliação e manutenção da ciclovia existente, implantação de novos abrigos, iluminação pública eficiente, câmeras de videomonitoramento e paisagismo.
Todo o sistema contará com ibilidade universal, assegurando conforto, segurança e inclusão para todos os usuários, independentemente de suas condições de mobilidade.
Além do entorno das estações do corredor principal, está prevista a instalação de 646 novos abrigos em diversos pontos da cidade, atendendo às linhas alimentadoras.
O projeto do BRT Maceió é respaldado por estudos técnicos detalhados, conduzidos por uma equipe multidisciplinar composta por 25 profissionais, entre engenheiros e arquitetos. Foram elaborados mais de mil desenhos técnicos, que asseguram o grau de precisão necessário para a implementação e operação do sistema, incluindo a definição de intervalos regulares entre os veículos, com base em modelagens operacionais e projeções de demanda.