Conteúdo do impresso Edição 1318

MOBILIDADE URBANA

Especialistas alertam para riscos de desequilíbrio urbano no projeto do BRT de Maceió

Plano Diretor de Maceió, em vigor desde 2005, está desatualizado há quase duas décadas
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 07/06/2025 - 06:00
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REPRODUÇÃO
Maquete de estação do BRT
Maquete de estação do BRT

O Plano Diretor de Maceió, em vigor desde 2005, está desatualizado há quase duas décadas. Embora o processo de revisão tenha sido iniciado, o novo texto ainda não foi concluído. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Maceió (Iplan), a minuta do documento está em fase final de ajustes e deve ser encaminhada à Câmara Municipal até o fim do primeiro semestre.

O plano é o principal instrumento de planejamento urbano do município. Ele estabelece diretrizes para temas como uso do solo, habitação, saneamento, meio ambiente, mobilidade urbana, desenvolvimento econômico e gestão do território. A proposta de atualização inclui novas estratégias para o desenvolvimento da cidade, com foco em adensamento urbano, reorganização da paisagem, preservação ambiental e melhoria da mobilidade.

A Prefeitura informa que o texto considera questões atuais como mudanças climáticas, riscos geológicos, requalificação de áreas degradadas e os impactos do afundamento do solo em diversos bairros de Maceió.

Entre os projetos de mobilidade incluídos no planejamento está a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit). O investimento previsto é de R$ 2 bilhões, com 28 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus nas avenidas Lourival de Melo Mota, Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima.

O modelo prevê nove linhas troncais com saídas dos terminais localizados nos bairros Eustáquio Gomes, Benedito Bentes, Clima Bom e Chã da Jaqueira, além de 63 linhas alimentadoras que devem atender às demais regiões da cidade. A estimativa é que o trajeto entre o Terminal do Eustáquio Gomes e a Praça do Centenário, no bairro do Farol, e a ser feito em cerca de 30 minutos — tempo inferior à média atual de 1h30, registrada nos horários de pico.

A arquiteta, urbanista e fundadora do Instituto para o Desenvolvimento das Alagoas, Isadora Padilha, apresenta uma análise sobre os possíveis impactos da implementação do sistema BRT na estrutura urbana de Maceió.

EXTRA ALAGOAS - Como a senhora avalia os impactos da falta de atualização do Plano Diretor de Maceió, que está há duas décadas sem revisão, sobre o desenvolvimento urbano da cidade?

ISADORA PADILHA - É algo desastroso para Maceió. Basta dizer que o plano vigente é anterior ao Caso Braskem e que, hoje, esse é o instrumento legal que vai determinar o que será feito com a área dos bairros afetados pela mineração predatória na cidade. Ou seja, esse instrumento é mais que urgente, precisa ser revisado e atender aos interesses da população de Maceió.

EA - A implantação do BRT na Avenida Fernandes Lima, um corredor viário já saturado, é considerada viável sob a perspectiva técnica e urbanística? Quais seriam os riscos dessa decisão?

IP - A mobilidade na cidade, especialmente após o Caso Braskem, precisa ser analisada de forma integrada, e o projeto de um BRT na Fernandes Lima não representa isso. Onde está a proposta de conexão desse modal com o VLT, por exemplo? Com o plano de arborização, transporte não motorizado, caminhabilidade?

EA - Por que medidas de mobilidade urbana em Maceió tendem a ser paliativas, em vez de estruturais? O que impede a implementação de soluções de longo prazo?

IP - Um dos problemas é exatamente a ausência de uma proposta de visão de cidade. O descaso com o Plano Diretor evidencia isso de forma clara.

EA - Há um clamor por alternativas inteligentes e integradas de transporte. Que modelos de sucesso em outras cidades poderiam inspirar um redesenho eficaz da mobilidade em Maceió?

IP - Maceió já possui um exemplo que deveria ser mais valorizado: foi pioneira em implantar o VLT, que está subutilizado e poderia se tornar um veículo de transporte de massa relevante na cidade. Mas iniciativas como planos de mobilidade, e Maceió é uma das poucas capitais que não possui, planos cicloviários, anéis cicloviários e ferroviários, integração intermodal e instalação de ruas completas fariam grande diferença.

EA - Qual o papel da mobilidade urbana no combate à desigualdade social em uma capital como Maceió?

IP - É um papel central, conectando as áreas periféricas, as moradias da população mais pobre, às áreas de trabalho, por exemplo, nos deslocamentos pendulares. Também contribui para maior segurança no transporte.

EA - O que seria, na sua opinião, uma solução realmente impactante para melhorar a fluidez do tráfego e a ibilidade urbana em Maceió?

IP - O anel ferroviário proposto há anos, envolvendo o VLT e conectando Centro, periferia, aeroporto, Satuba e Rio Largo, é uma excelente alternativa. Trata-se de um projeto estratégico para Maceió, assim como o eixo do Vale do Reginaldo e a destinação das áreas dos bairros afetados pela Braskem para usufruto público.

EA - Quais os primeiros os concretos que a cidade deveria dar para iniciar um processo real de reestruturação da mobilidade urbana, com foco em sustentabilidade e qualidade de vida?

IP - Revisar o Plano Diretor, elaborar o Plano de Mobilidade, destinar a área dos bairros afetados para usufruto público e implantar os projetos estratégicos de interligação norte-sul, ou seja, o anel ferroviário metropolitano e o eixo do Vale do Reginaldo.

"BRT não se resume a faixas exclusivas”, diz urbanista

Renan Silva, urbanista e doutor em mobilidade urbana (Ufal) e da entidade Sociedade Movimento, esclarece que o BRT não se resume a faixas exclusivas, mas sim a pistas fisicamente separadas, com nivelamento entre estações e veículos, além de pagamento antecipado da tarifa. Segundo ele, isso melhora o desempenho e reduz o tempo de embarque.

EXTRA ALAGOAS - O novo sistema de BRT em Maceió prevê faixas exclusivas ao longo de 14 km nas avenidas Lourival de Melo Mota, Durval de Góes Monteiro e Fernandes Lima. Do ponto de vista urbanístico, essas vias comportam essa transformação sem comprometer ainda mais a mobilidade local?

RENAN SILVA - Importante pontuar que o BRT não é composto de “faixas exclusivas”, mas de pista exclusiva. É um espaço separado fisicamente dos outros deslocamentos. Além de outros dois pontos fundamentais: nivelamento entre estações e ônibus e pagamento antecipado da tarifa. Melhorar o transporte coletivo é crucial e urgente: beneficia toda a população, use ou não o sistema hoje. Cidades com mobilidade eficiente se apoiam em transporte público forte e modos não motorizados. A chave é uma rede integrada que ofereça opções variadas e de qualidade às pessoas.

EA - A promessa de intervalo médio de 5 minutos entre viagens pode de fato melhorar a fluidez do transporte coletivo em Maceió? Como isso dialoga com a realidade atual da infraestrutura e da demanda da cidade?

RS - O intervalo de 5 minutos é um fator qualificador da mobilidade em Maceió, mas ele depende de uma série de fatores: engenharia de tráfego e tecnologia de operação, coordenação entre frotas troncais e alimentadoras e redução de conflitos em interseções etc. Caso contrário, corre-se o risco de ser mais um número de marketing que não se reflete na experiência de quem espera no ponto.

EA - O Terminal do Eustáquio Gomes foi escolhido como ponto de partida para várias rotas. Urbanisticamente, essa centralização é adequada ou pode gerar gargalos e desequilíbrios em outras áreas da cidade?

RS - Centralizar a operação no Terminal Eustáquio Gomes faz sentido porque a maior massa de ageiros vem da parte alta e o local comporta um equipamento deste porte. Por outro lado, depender de um único hub cria riscos: qualquer falha ali afeta toda a rede e pode gerar engarrafamentos no entorno e baldeações extras para quem mora fora do eixo principal.

Urbanisticamente, o ideal seria espalhar a carga operacional em ao menos dois ou três terminais-âncora e sincronizar essa escolha com um Plano de Mobilidade que Maceió ainda não possui e um Plano Diretor defasado há uma década (bússolas jurídicas cruciais na orientação de prioridades territoriais). Sem esse lastro estratégico, corremos o risco de montar um sistema rápido na teoria, mas desequilibrado na prática, capaz de resolver o problema de quem a pelo corredor, mas de criar novos vazios e gargalos nos bairros que ficam fora dele.

Grandes BRTs latino-americanos, como os de Curitiba e Bogotá, funcionam porque combinam múltiplos terminais distribuídos, evitando que todo fluxo dependa de um só polo. Urbanisticamente, também é interessante o espalhamento de centralidades: colocar comércio, serviços públicos e moradia perto de estações intermediárias para equilibrar viagens e ativar o solo urbano ao longo do corredor.

EA - Com investimento previsto de mais de R\$ 2 bilhões, como o senhor avalia a prioridade desse projeto frente a outras carências estruturais de mobilidade urbana em Maceió, como integração modal e caminhabilidade?

RS - Se olharmos para o número bruto, de R\$ 2 bilhões por 15 km, ele assusta: dá cerca de R$ 133 milhões por quilômetro, o que é bem mais alto do que BRTs mais caros implantados no Brasil, como o de Salvador, que é em torno de R$ 60 milhões/km.

Porém, para uma análise mais criteriosa é preciso conhecer como esse valor se distribui. Se envolve compra de veículos novos, obras estruturantes no corredor (drenagem, transmissão de energia, pavimentação, viadutos etc.), desapropriações, estações e urbanização. É preciso, portanto, uma planilha de custos aberta.

O BRT pode ser peça importante, mas ele não fecha o quebra-cabeça sozinho. Se o ageiro tiver que trocar de veículo pagando outra tarifa ou caminhar em calçadas ruins, o corredor vira pista rápida para poucos. Precisamos de bilhete único, bicicletários, terminais de bairro, integração metropolitana e outros elementos que qualificam o BRT como integrante de um sistema de mobilidade.

Nenhum BRT é inclusivo se o usuário chega à estação por calçadas esburacadas, sem sombra ou ibilidade. Reservar parte do orçamento, ou garantir fonte paralela, para requalificar calçadas, travessias e iluminação no entorno das estações é tão estratégico quanto comprar ônibus novos.

Prefeitura afirma que projeto tem respaldo técnico

Com a implantação do BRT Maceió, a faixa exclusiva de transporte será deslocada da extrema direita para a faixa da esquerda, sem comprometer as faixas destinadas aos veículos individuais. O embarque e desembarque ocorrerão em nível com a estação, garantindo maior ibilidade.

Essa medida visa otimizar a velocidade operacional dos ônibus, reduzir significativamente o tempo de viagem e contribuir para a fluidez do tráfego. Trata-se de um investimento estruturante em mobilidade urbana sustentável, que prioriza o transporte público como eixo central dos deslocamentos diários.

O BRT Maceió foi concebido com previsão de integração tarifária com outros modais de transporte, promovendo um sistema mais eficiente e ível para os usuários.

O projeto contempla ainda infraestrutura de apoio ao uso de bicicletas, com bicicletários nas estações e terminais, além de favorecer a convivência com modais ativos, como a caminhada — contribuindo para uma mobilidade urbana mais integrada e sustentável.

O Terminal Central Eustáquio Gomes sediará a istração do BRT e está dimensionado para atender à demanda prevista com segurança e eficiência.

O sistema contará com 23 estações distribuídas ao longo do percurso, cobrindo bairros estratégicos. Haverá ainda dois novos terminais de integração, situados no Prado e em Cruz das Almas, além da ampliação do Terminal de Integração do Benedito Bentes — já consolidado no sistema — garantindo melhor distribuição da demanda e maior equilíbrio operacional.

A revitalização do entorno das estações do BRT integra o escopo do projeto. Estão previstas melhorias nas calçadas, ampliação e manutenção da ciclovia existente, implantação de novos abrigos, iluminação pública eficiente, câmeras de videomonitoramento e paisagismo.

Todo o sistema contará com ibilidade universal, assegurando conforto, segurança e inclusão para todos os usuários, independentemente de suas condições de mobilidade.

Além do entorno das estações do corredor principal, está prevista a instalação de 646 novos abrigos em diversos pontos da cidade, atendendo às linhas alimentadoras.

O projeto do BRT Maceió é respaldado por estudos técnicos detalhados, conduzidos por uma equipe multidisciplinar composta por 25 profissionais, entre engenheiros e arquitetos. Foram elaborados mais de mil desenhos técnicos, que asseguram o grau de precisão necessário para a implementação e operação do sistema, incluindo a definição de intervalos regulares entre os veículos, com base em modelagens operacionais e projeções de demanda.


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