É professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e cirurgião especializado em cirurgia digestiva. Graduou-se em medicina pela Ufal (1980) e é mestre em gastroenterologia cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp. Atua como docente e cirurgião na área de cirurgia digestiva da Ufal.

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Competência médica e o aumento sem controle das escolas de Medicina

16/05/2025 - 06:00
Atualização: 15/05/2025 - 16:59
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Não há desgraça maior do que cair nas mãos de um médico incompetente, cuja característica marcante é a atrevida autossuficiência. A verdadeira competência reside na humildade de buscar auxílio de colegas ou encaminhar o paciente a profissionais mais experientes. Esta reflexão acompanha-me desde a infância, quando minha tia Maura, perspicaz em suas observações, confessava rezar para ser atendida por um médico capaz de diagnosticar corretamente sua enfermidade. Na minha ingenuidade infantil, julgava supérflua tal prece, acreditando na onisciência inerente à profissão médica.

O tempo transformou-me também em médico e, após 45 anos de exercício profissional, compreendo a sabedoria contida nas palavras de minha tia. A ignorância residia em minha jovem petulância. O cenário atual do Brasil aponta para uma crescente densidade médica, com três profissionais por mil habitantes, impulsionada pela existência de 390 escolas de medicina — das quais 121 são públicas e 269 privadas. Contudo, grande parte destas últimas carece de infraestrutura essencial, como rede hospitalar própria, corpo docente qualificado e laboratórios adequados, estando frequentemente vinculadas a grandes grupos econômicos.

O Sindicato dos Médicos de Alagoas manifesta apreensão não apenas com os 600 novos médicos formados anualmente pelas cinco escolas existentes no estado (três públicas e duas privadas), mas também com a perspectiva de abertura de mais seis instituições. A unidade de Penedo tem previsão de iniciar suas atividades em junho, e até Feira Grande é cogitada como possível sede. A juventude, com entusiasmo compreensível, vislumbra na medicina a promessa de enriquecimento.

Entretanto, a realidade salarial dos médicos no Brasil desmistifica essa falsa percepção. Apesar de, em média, seus rendimentos superarem os de outras profissões, a necessidade de manter dois ou três vínculos empregatícios, cumprindo exaustivas jornadas de trabalho e plantões, culmina em tragédias ocasionais — como a morte de profissionais em deslocamentos entre cidades. O piso salarial da categoria, fixado em R$ 9.441, com uma média de R$ 10.000 e um teto de R$ 15.000, decorre dessa acumulação de empregos, alimentando a ilusão de altos ganhos. O Sistema Único de Saúde (SUS), com o recente reajuste da consulta, elevou o valor para R$ 7,25 — patamar ainda distante do reconhecimento da complexidade e importância da atuação médica.

Imaginem o acinte: aqui, o médico despende ao menos nove anos entre curso e residência médica. Na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, ninguém pode exercer a profissão sem residência, pois está comprovado que ela proporciona ao médico o equivalente a dez anos de experiência em apenas três anos de atividades práticas.

Há 115 anos, em 1910, um educador americano, Abraham Flexner, convocado para fazer um relatório sobre as 300 escolas médicas existentes nos Estados Unidos, recomendou a redução do número, que caiu para 70. Hoje, existem 158 escolas para uma população de 380 milhões de habitantes. O Brasil só perde para a Índia, que possui cerca de 600 escolas médicas para uma população de 1,3 bilhão. O Brasil tem 390 escolas para apenas 220 milhões de habitantes.

O processo agravou-se tanto que tramita no Congresso um projeto para que os formandos realizem o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). Trata-se do atestado da falência do poder público em garantir uma formação de alto nível. O Estado exibe sua incompetência ao não fechar escolas médicas incapazes de formar profissionais qualificados. Normas bem estabelecidas existem há tempos, formuladas pela Associação Brasileira de Ensino Médico e pelo Conselho Federal de Medicina.

O deputado Ferrer, do Ceará, assinalou: “A medicina exige compromisso integral com a vida, formação contínua, responsabilidade ética e técnica desde o primeiro dia de faculdade. Reduzir a formação a um exame seria desconsiderar a nobre missão dos médicos e tratar com desprezo a saúde dos brasileiros. Exige-se seriedade — e seriedade se constrói com fiscalização, critérios rigorosos, investimento em educação de qualidade e respeito à ciência.”

Concluo citando Ib Gatto Falcão:

“O fato é que do ensino sai o médico; do médico sai a medicina profissional. Se ele é bom, a medicina será boa. Se ele for mau, a medicina será má. Precisamos de médicos competentes, éticos e comprometidos com a saúde dos alagoanos.”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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