É professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e cirurgião especializado em cirurgia digestiva. Graduou-se em medicina pela Ufal (1980) e é mestre em gastroenterologia cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp. Atua como docente e cirurgião na área de cirurgia digestiva da Ufal.

Conteúdo Opinativo

Por que escolher ser médico?

30/05/2025 - 12:00
A- A+

Álvaro J Madeiro Leite. Professor de Pediatria e Humanidades Médicas. Famed/UFC

A cada ano, uma multidão de jovens sente-se atraída pela profissão médica – um mundo de estudos, descobertas e desafios. Esse projeto individual terá que integrar-se à cultura, às instituições médicas e às demandas da vida social. A gratificação com a profissão vem da mutabilidade dessas mesmas fontes.

Escolas médicas em todo o mundo estão preocupadas com o desafio de aliar competências técnicas, éticas e relacionais dos médicos.

As artes (literárias, cinematográficas, plásticas) e as ciências humanas têm sido incorporadas ao ensino, na esperança de oferecer e para educar e ampliar a sensibilidade dos profissionais.

Uma primeira questão ganha relevância: por que ser médico, essa profissão exigente que se destina a resolver problemas alheios?

No livro A insustentável leveza do ser, do escritor tcheco Milan Kundera, surge uma inquietante perspectiva acerca da profissão médica. O narrador nos apresenta um dos personagens centrais do romance, o neurocirurgião Tomas:

Não fora conduzido à medicina pelo acaso nem por um cálculo racional, mas por um profundo desejo interior. Se fosse possível classificar os seres por categorias, seria certamente com base nesses desejos profundos que os conduzem para esta ou aquela atividade que exercem durante toda a vida. (...) Quando Tomas encostou pela primeira vez um bisturi na pele de um homem adormecido pela anestesia, depois cortou essa pele com um gesto enérgico, abrindo uma incisão regular e precisa (como se fosse o tecido inanimado de um casaco, uma saia ou uma cortina), ele sentiu uma breve, mas intensa sensação de sacrilégio. Mas, certamente, era isso que o atraía! Era uma necessidade, um es muss sein! Profundamente enraizado nele, para o qual não contribuíra nenhum acaso [...], nem qualquer fator externo.

Tomas, neurocirurgião famoso, vive na cidade de Praga, num contexto de aniquilamento moral e degradação da vida social, com delações, humilhações públicas, prisões arbitrárias e perseguições políticas.

Apaixonado pela medicina, ele tenta ultraar os tempos sombrios que lhe sopram à consciência o trágico momento de sua existência. Escolhera a medicina por um es muss sein, por um desejo profundo. Faz a escolha contingente de abandoná-la para se tornar, na Praga vilipendiada pela invasão russa, um limpador de vidraças. Tomas entrara em conflito aberto com a burocracia comunista ao se envolver com a publicação de um texto na revista da União dos Escritores Tchecos.

Há tempos, a filósofa Hannah Arendt alertara que nossas vidas humanas atravessam um tempo histórico de muitas turbulências – tempos sombrios. Que manifestações do espírito humano são capazes de acolher versões mais acolhedoras da existência viva dos homens?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


Encontrou algum erro? Entre em contato